Uma Vez (Virgínia Vitorino)

UMA VEZ

AMA-SE uma vez só. Mais de um amor
de nada serve e nada o justifica.
Um só amor, absolve, santifica.
Quem ama uma vez só ama melhor.

Qualquer pessoa, seja lá quem for,
se a uma outra pessoa se dedica,
só com essa ternura será rica,
e qualquer outra julgará peor.

Há dois amores? Qual é o verdadeiro?
Se há segundo, que é feito do primeiro?
Esta contradição quem foi que a fez?

Quem ama assim, julga talvez que amou;
mas pode acreditar que se enganou
ou da primeira ou da segunda vez.

Insatisfeita (Helena Verdugo Afonso)

INSATISFEITA

Helena Verdugo Afonso

Enfim, posso morrer! Já te beijei
a linda boca perfumada e quente,
num beijo longo, divinal, fremente,
um beijo aonde toda me entreguei..

Não me conheço agora. Já nem sei
se fiz bem, se fiz mal. Minha alma ardente
sofria por um bem que tinha ausente,
e morro na ventura em que fiquei...

É assim, o meu amor: eu, que vivera,
na crença de esperança já perdida,
tenho de ti o bem que apetecera!

Por esse beijo, vivo tão dorida,
que, para ser feliz, antes valera
ficar a desejá-lo toda a vida!. . .

Mentira (Helena Verdugo Afonso)

MENTIRA

Helena Verdugo Afonso

Acreditei na vida, e foi assim
que, cheia de alegria e de esperança,
deixei alimentar dentro de mim
um amor puro e ledo, de criança.

Pensei ter alcançado então, o fim
por mim tão desejado, e, sem tardança,
senti-me venturosa, escrava enfim,
julgando meu o que ninguém alcança.

Mas, ai! Tu só mentiste e foi em vão
que tentei afogar no coração
o pranto desta mágoa que delira...

O teu amor, que tanto ambicionei
e a que tão loucamente me entreguei,
não passava, afinal, de uma mentira!...

Anseio (Helena Verdugo Afonso)

ANSEIO

Helena Verdugo Afonso

Amor, vivo tão só, nesta tristeza,
onde minha alma se desfaz em pranto,
longe do teu olhar cheio de encanto.
em que fiquei eternamente presa.

Tão longe ando de ti, numa incerteza
de ter-te, minha vida! No entretanto,
vai crescendo este amor, mas, tanto e tanto,
em místico fervor, como quem reza!.

Ando faminta, cheia de desejo
dessas carícias tão de mim ausentes,
que me enlouquecem, e que em ti prevejo...

E morro na paixão que mal pressentes,
e perdem-se pelo ar, cheios de pejo,
os beijos que te dou e tu não sentes...

Os Versos que te fiz (Florbela Espanca)

OS VERSOS QUE TE FIZ


Deixa-me dizer-te os lindos versos raros
Que a minha boca tem pra te dizer
São talhados em mármore de Páros
Cinzelados por mim pra te oferecer.

Têm dolências de veludos caros,
São como sedas pálidas a arder...
Deixa-me dizer-te os lindos versos raros
Que foram feitos pra te endoidecer!

Mas, meu Amor, eu não tos digo ainda...
Que a boca da mulher é sempre linda
Se dentro guarda um verso que não diz!

Amo-te tanto! E nunca te beijei...
E nesse beijo, Amor, que eu te não dei
Guardo os versos mais lindos que te fiz!

Florbela Espanca, 1894-1930

Verdes Mares (Manuel Bandeira)

VERDES MARES
Manuel Bandeira

Chama uma voz amiga:-"Aí tem o Ceará,"
e eu, que nas ondas punha a vista deslumbrada,
olho a cidade. Ao sol chispa a areia doirada,
a bordo a faina avulta e toda a gente já

desce. Uma moça ri, quebrando o panamá.
-"Perdi a mala!" um diz de cara acabrunhada.
Sobre as águas, arfando, uma breve jangada
passa. Tão frágil! Deus a leve onde ela vá.

Esmalta ao fundo a costa a verdura de um parque.
E enquanto a grita aumenta em berros e assobios
rudes, na confusão brutal do desembarque:

fitando a vastidão magnífica do mar,
que ressalta e reluz:-"Verdes mares bravios..."
cita um sujeito que não leu, nunca, Alencar.

Vita Nuova (Manuel Bandeira)

VITA NUOVA
Manuel Bandeira

De onde me veio esse tremor de ninho
a alvorecer na morta madrugada?
Em todo o meu ser...Não era nada,
senão na pele a sombra de um carinho.

Ah! bem velho carinho! Um desalinho
de dedos tontos no painel da escada.
Batia a minha cor multiplicada,
-era o sangue de Deus mudado em vinho!

Bandeiras tatalavam no alto mastro
do meu desejo. No fervor da espera
clareou a distância o súbito alabastro

e na memória em nova primavera,
revivesceu, candente como um astro,
a flor do sonho, o sonho da quimera.

Soneto oco (Carlos Pena Filho)

Soneto oco

Carlos Pena Filho

Neste papel levanta-se um soneto
de lembranças antigas sustentado,
pássaro de museu, bicho empalhado,
madeira apodrecida de coreto.

De tempo e tempo e tempo alimentado,
sendo em fraco metal, agora é preto.
E talvez seja apenas um soneto
de si mesmo nascido e organizado.

Mas ninguém o verá? Ninguém. Nem eu,
pois não sei como foi arquitetado
e nem me lembro quando apareceu.

Lembranças são lembranças, mesmo pobres.
Olha, pois, este jogo de exilado
e vê se entre as lembranças te descobres.

Bom Jesus, amador das almas puras (José Albano)

IX

Bom Jesus, amador das almas puras,
Bom Jesus, amador das almas mansas,
De ti vêm as serenas esperanças,
De ti vêm as angélicas doçuras.

Em toda parte vejo que procuras
O pecador ingrato e não descansas,
Para lhe dar as bem-aventuranças
Que os espíritos gozam nas alturas.

A mim, pois, que de mágoa desatino
E, noute e dia, em lágrimas me banho,
Vem abrandar o meu cruel destino.

E, terminando este degredo estranho,
Tem compaixão de mim, Pastor Divino,
Que não falte uma ovelha ao teu rebanho!


ALBANO, José. Rimas, Edições Pongetti, Rio de Janeiro, 1948. (Pág. 243) Edição organizada, revista e prefaciada por Manuel Bandeira.


José Albano nasceu em Fortaleza no ano de 1882 e faleceu na Cidade do Montauban na França em 1923. Considerado o mais clássico dos poetas Brasileiros do Século XX; sua obra assemelha-se por completa com a obra de Camões. Autor do belo e tão famoso poema: Ode à Língua Portuguesa.

Soneto do desmantelo azul

Soneto do desmantelo azul

Carlos Pena Filho
(dedicado a Samuel Mac Dowell Filho)

Então, pintei de azul os meus sapatos
por não poder de azul pintar as ruas,
depois, vesti meus gestos insensatos
e colori as minhas mãos e as tuas.

Para extinguir em nós o azul ausente
e aprisionar no azul as coisas gratas,
enfim, nós derramamos simplesmente
azul sobre os vestidos e as gravatas.

E, afogados em nós, nem nos lembramos
que no excesso que havia em nosso espaço
pudesse haver de azul também cansaço.

E perdidos de azul nos contemplamos
e vimos que entre nós nascia um sul
vertiginosamente azul. Azul.


(PENA FILHO, Carlos. Livro Geral. Poemas. 2 ed. Org. Tania Carneiro Leão. Recife: Edição do organ., 1999.)

Felicidade (Adelmar Tavares)

FELICIDADE

No teu palácio de vitrais preciosos,
espelhos altos, e tapeçarias,
tu, milionário, entre cortesanias,
vives os teus momentos caprichosos.

Braços vendidos e mentidos gozos,
de amores fáceis, enches os teus dias.
Mas, passada a delícia das orgias,
vês, protestos e beijos, mentirosos.

E ah! quantas vêzes, solteirão, cansado,
invejarás o "guardador de gado"
que pelo escurecer, sem falsos brilhos,

volta para a cabana, e alegre janta,
cachimba um pouco, afina a viola, e canta
para o amor da mulher, e o amor dos filhos...


TAVARES, Adelmar. Noite Cheia de Estrêlas (1925 - 1928), In: Poesias Completas de Adelmar Tavares, Livraria São José, Rio de Janeiro, 1958. (Pág. 41)


Adelmar Tavares - Nasceu em Recife no ano de 1888 e faleceu no Rio de Janeiro em 1963. Pertenceu a Academia Brasileira de Letras e recebeu o Título de Príncipe dos trovadores brasileiros. É o maior cultor e maior nome da Trova no Brasil.

SONETO Nº XVI (Edmir Domingues da Silva)

E estando nós vestidos de amarelo
veio do cais certo dia ao mar fendido,
vago e leve, de aspecto indefinido
tão quase nós de tímido e singelo.

E ao céu de desembarque e de atropelo
em sangue e quase pássaro ferido,
uma canção havíamos pedido,
um som qualquer, de flauta ou violoncelo.

Nós gostamos de música e de dança,
vivemos de canções e de esperança
se não dormidos de ópio e de morfina.

E era de vez, os bonzos de mãos dadas
com os limpa-chaminés em mascaradas,
nos ângulos sem luz de um cais da China.

Peregrinação (Manuel Bandeira)

PEREGRINAÇÂO
Manuel Bandeira

Quando olhada de face, era um abril.
Quando olhada de lado era um agosto.
Duas mulheres numa: tinha o rosto
gordo de frente, magro de perfil.

Fazia as sobrancelhas como um til;
a boca como um o (quase). Isto posto,
não vou dizer o quanto a amei. Nem gosto
de me lembrar, que são tristezas mil.

Eis senão quando um dia...Mas caluda!
Não me vai bem fazer uma canção
desesperada como fez Neruda,

amor total e falho...Puro e impuro...
Amor de velho adolescente... E tão
sabendo a cinza e pêssego maduro...

A Solidão e Sua Porta (Carlos Pena Filho)

A SOLIDÃO E SUA PORTA
Carlos Pena Filho

Quando nada mais resistir que valha
a pena de viver e a dor de amar
e quando nada mais interessar
(nem o torpor do sonio que se espalha).

Quando, pelo desuso da navalha
a barba livremente caminhar
e até Deus em silêncio se afastar
deixando-te sozinho na batalha

e arquitetar na sombra a despedida
do mundo que te foi contraditório,
lembra-te que afinal te resta a vida

com tudo que é solvente e provisório
e de que ainda tens uma saída:
entrar no acaso e amar o transitório.

Para Fazer um Soneto (Carlos Pena Filho)

PARA FAZER UM SONETO
Carlos Pena Filho

Tome um pouco de azul, se a tarde é clara,
e espere pelo instante ocasional.
Nesse curto intervalo Deus prepara
e lhe oferta a palavra inicial.

Aí, adote uma atitude avara:
se você preferir a cor local,
não use mais que o sol de sua cara
e um pedaço de fundo de quintal.

Se não, procure a cinza e essa vagueza
das lembranças da infância, e não se apresse,
antes, deixe levá-lo a correnteza.

Mas ao chegar ao ponto em que se tece
dentro da escuridão a vã certeza,
ponha tudo de lado e então comece.

Amo-te (Elizabeth Barret Browning)

Amo-te...

Elizabeth Barret Browing


Amo-te quanto em largo, alto e profundo
Minhalma alcança quando, transportada,
Sente, alongando os olhos deste mundo,
Os fins do Ser, a Graça entressonhada.


Amo-te em cada dia, hora e segundo:
À luz do Sol, na noite sossegada.
E é tão pura a paixão de que me inundo
Quanto o pudor dos que não pedem nada.


Amo-te com o doer das velhas penas;
Com sorrisos, com lágrimas de prece,
E a fé da minha infância, ingênua e forte.


Amo-te até nas coisas mais pequenas.
Por toda a vida. E, assim Deus o quiser,
Ainda mais te amarei depois da morte.


Tradução de Manuel Bandeira


Lena (Álvares Bezerra)

LENA

Dentro do Valle, ao lado de uma penha,
de onde caindo um fio de agua canta,
a casinha de Lena se levanta
ficando bem de frente para a brenha.

Mira de longe quem na estrada venha
entre a verdura da fecunda planta.
Alli, a voz de Lena em tom que encanta,
esconde o som monótono da azenha.

A agua que escorre pelo valle a dentro,
vae na ravina humedecer as flores;
e eu só para escuta-la, me concentro.

Amo-a e fujo-lhe a medo... Disse alguém
que ella, uma vez, falando-se de amores,
jurou nunca na vida amar ninguem.

Rio G. do Norte.

BEZERRA, Alvares. Almenáras, Graphica Paulista-Editora (João Bentivegna), São Paulo, 1928. (Pág. 44)
Alvares Bezerra nasceu no Rio Grande do Norte no ano de 1896. Infelizmente não existe no livro referências maiores sobre sua Vida. Ele viveu em São Paulo.

Entre Verdes (Lopes B.)

ENTRE VERDES

Flórea Vergôntea! Divindade humana,
Que no sólio das Dríades imperas,
E és de um país de sonhos e quimeras
Estrêla régia, amada Soberana;

Entra, grande esplendor de primaveras,
Nesta sem luz e humílima choupana:
Que ela se torne, ao receber-te ufana,
Em palácio encantado de outras eras...

Derrama o brilho e a glória de teu fausto
Pela minhalma, e, Viático da Graça,
Dá a vida e fôrças ao meu ser exausto;

Que no ermo a tua Boa Vinda estale
Dentre ladridos e halalis de caça,
Clangor de trompas acordando o vale!

LOPES, B. Poesias Completas de B. Lopes III, Livraria Editora Zelio Valverde S. A., Rio de Janeiro, 1945. (Págs. 81 e 82)

B. Lopes - Nasceu no Arraial da Boa esperança no Município de Rio Bonito, Província do Rio de Janeiro e faleceu na cidade do Rio de Janeiro. (1859 - 1916)

Espumas e Chamas (Moacir de Almeida)

ESPUMAS E CHAMAS

Flor que a rubra paixão do trópico incendeia,
Branca e virgem, no ardor dos sonhos causticantes:
A ânsia, em que te referve o sangue em cada veia,
Aflora em teu olhar num clarão de diamantes...

A volúpia do sol tua carne afogueia...
Há luxúrias de mar nos teus seios arfantes...
E, em teu corpo, que tem a brancura da areia,
Há curvas sensuais de praias fulgurantes...

Ah! Ter beijos de oceano e ardor de um sol de lavas,
Mar que afoga o horizonte em pérolas e brumas,
Sol que ensangüenta o céu e cresta as matas bravas!

E -- oceano e sol -- no sonho ardente em que te inflamas,
Com os meus beijos cobrir-te em borbotões de espumas,
Com a minha luz queimar-te em turbilhões de chamas!

Os cisnes (Júlio Salusse)

OS CISNES

Júlio Salusse

A vida, manso lago azul algumas
Vezes, algumas vezes mar fremente,
Tem sido para nós constantemente
Um lago azul sem ondas, sem espumas,

Sobre ele, quando, desfazendo as brumas
Matinais, rompe um sol vermelho e quente,
Nós dois vagamos indolentemente,
Como dois cisnes de alvacentas plumas.

Um dia um cisne morrerá, por certo:
Quando chegar esse momento incerto,
No lago, onde talvez a água se tisne,

Que o cisne vivo, cheio de saudade,
Nunca mais cante, nem sozinho nade,
Nem nade nunca ao lado de outro cisne!

Poemas de Oriza Martins

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Poema de Oriza Martins

Muito Além de Amar (Oriza Martins)

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Esperanças Andorinhas... (Oriza Martins)

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Parte: não te separas! (Elizabeth Browning)

HTML clipboardParte: não te separas! Que jamais
Sairei de tua sombra. Por distante
Que te vás, em meu peito, a cada instante
Juntos dois corações batem iguais.
Não ficarei mais só. Nem nunca mais
Dona de mim, a mão, quando a levante
Deixará de sentir o toque amante
Da tua, — ao que fugi. Parte: não sais!
Como o vinho, que às uvas donde flui
Deve saber, é quanto faço e quanto
Sonho, que assim também todo te inclui
A ti, amor! minha outra vida, pois
Quando oro a Deus, teu nome ele ouve e o pranto
Em meus olhos são lágrimas de dois.

tradução: Manuel Bandeira

Felicidade (Guilherme de Almeida)

FELICIDADE

(Guilherme de Almeida)

Ela veio bater à minha porta
e falou-me, a sorrir, subindo a escada:
"Bom dia, árvore velha e desfolhada!"
E eu respondi: "Bom dia, folha morta!"

Entrou: e nunca mais me disse nada...
Até que um dia (quando, pouco importa!)
houve canções na ramaria torta
e houve bandos de noivos pela estrada...

Então, chamou-me e disse: "Vou-me embora!
Sou a Felicidade! Vive agora
da lembrança do muito que te fiz!"

E foi assim que, em plena primavera,
só quando ela partiu, contou quem era...
E nunca mais eu me senti feliz!


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